sábado, novembro 26

CONTINUAÇÃO DO TRATAMENTO DA TELA


OS RELEVOS E AS TEXTURAS PARA TÉCNICA MISTA

Sobre tela ou madeira

Quando pensar em usar relevos ou texturas, deve pensar em preparar a tela ou a madeira nesse sentido.
A seguir ao tratamento com a cola, para selar o suporte, use uma argamassa de compra para modelar os relevos ou mesmo desenhar grafismos. Um tapa-fendas usado na construção civil serve e é bastante duradouro, pois eu já usei. Tenho trabalhos com mais de 10 anos que não apresentam uma fenda ou qualquer tipo de deterioração. Mas também pode fabricar o seu preparado de gesso e grude.
O grude é uma cola, portanto uma substância aglutinante, que permite a aderência das substâncias às superfícies. É uma cola forte e pouco purificada, ideal para suportes que não exijam grande pureza.
Temos então de fazer a cola.

Cola de grude

Grude – 20 gramas
Água – ½ litro
Glicerina – algumas gotas  

Coloca-se o grude na água e vai a lume brando mexendo sempre sem deixar ferver. Quando está completamente dissolvida, acrescentam-se algumas gotas de glicerina e a cola está pronta.

Argamassa de gesso

Depois de fazer a cola, junte o gesso aos poucos até saturar o líquido; depois, mexa o gesso e, como a proporção do gesso tem de ser de acordo com a dureza que pretende obter, pode acrescentar mais algum gesso até encontrar a dureza que necessita. Se pretende uma textura mais áspera e mais robusta, junte alguma areia.
Depois de cobrir a tela com o preparado, pode, com a ajuda dum estilete, desenhar alguns grafismos, fazer relevos ou criar texturas diferentes alterando somente a rugosidade. Na criatividade somos sempre livres, a marca tem de ser nossa.
Este preparado aplica-se ainda morno e no mesmo dia em que se fabrica.
Se optar pelo tapa-fendas, depois de o usar, deve deixá-lo bem tapado e vedar a caixa com fita gomada para o poder usar por mais algumas vezes.
Se quer mesmo modelar figuras em relevo, até pode usar panos, mas nesse caso tem de fazer o preparado mais fluído para mergulhar os panos. Ao tapa-fendas também pode acrescentar água para que o preparado fique mais fraco e possa modelar com panos. Por baixo dos panos, para fixar o relevo pode usar papel de jornal amachucado e embebido em cola.

Aqui ficam alguns trabalhos meus onde utilizei estas técnicas.

Técnica mista sobre tela (com tapa-fendas, pano e tinta acrílica)

Técnica mista sobre tela e alguns grafismos (com tapa-fendas, acrílico, folha de ouro e óleo)
Técnica mista-baixo - relevo sobre tela (com tapa-fendas, ligaduras de gesso, panos e tinta acrílica)

terça-feira, novembro 15

PREPARADOS PARA TELA NA PINTURA A ÓLEO

PREPARADOS E SUPORTES DE PINTURA


O que é um preparado?

É uma mistura de produtos à base de gesso que isola a tela dos pigmentos e outros compostos como óleo e aguarrás, componentes das tintas que vamos aplicar. Os óleos são muito agressivos para os tecidos e esta é uma maneira de preservar as obras durante mais tempo.  O gesso é um material inerte, isto é, não reage quando misturado com outros materiais. Ele endurece na presença da água, mas só reage uma vez, pois não volta a dissolver-se, isolando, portanto, a tela das tintas e cobrindo bem o seu grão. O gesso tem de ficar bem diluído para não deixar marcas de pincel nem grânulos. 

De uma maneira geral, as telas de compra já vêm com um preparado, embora fraco. Antes de começar a pintar, deve limpar a tela de grânulos de gesso, pois na verdade é frequente elas virem com impurezas. No caso de preferir fazer a preparação total do suporte e resolver comprar o tecido a metro, deve comprar linho, juta, lona crua ou lona de seda.
E o processo  para construir o suporte é o seguinte:
1 – Construir um bastidor do tamanho da obra que pretende executar.
2 – As ripas têm de ser suficientemente fortes para o trabalho não empenar. De preferência 2x4 cm.
3 – No caso de o trabalho ser bastante grande, tem de ser reforçado a meio com mais ripas, as necessárias para que haja estabilidade e equilíbrio.
4 – O tecido tem de ficar bem esticado no bastidor, o que se faz usando um agrafador de carpinteiro com agrafos próprios para madeira.
5 – Se o tecido for cru deve isolar-se com um preparado de cola. Já existem no mercado colas brancas para este efeito.
6 – Diluem-se duas colheres de cola num copo de água, de preferência morna. Aplica-se na tela e deixa-se secar bem.
7 – No dia seguinte, aplica-se o preparado à base de gesso, o que torna o suporte mais liso e apto a receber as tintas.
Já existem no mercado preparados para tela, mas vou dar-vos duas receitas caseiras antigas. 

Primeiro preparado

Óxido de zinco – 3 dl 
Cola de peles – 3 dl
Gesso apagado – 3 dl
Verniz dâmar – 1,5 dl
Água – 1,5 dl
Glicerina – algumas gotas

Segundo preparado
Água – 4 dl
Óxido de zinco – 2 dl
Gesso apagado – 2 dl
Cola de caseína – 2 dl
Glicerina – algumas gotas

Com estas receitas, ficamos com mais ou menos um litro de preparado. Agora depende do tamanho da tela e pode sempre fazer mais.
É preciso ser bem diluído e aplicado por três ou quatro camadas com uma trincha.
Deve-se aplicar a primeira demão na horizontal, esticar bem, deixar secar e depois aplicar a camada seguinte na vertical e assim sucessivamente.


E temos a nossa tela pronta. Há quem junte um pouco de acrílico colorido na última camada. A cor escolhida será de acordo com o tema e a cor dominante, pois facilita o percurso.

terça-feira, novembro 8

A REGRA DOS TERÇOS

UM POUCO MAIS À FRENTE EM COMPOSIÇÃO

Antoni Tàpies - técnica mista sobre madeira

Uma obra de arte dispensa folhetos a acompanhá-la; ela por si comunica com o observador. Não é por ter muitos folhetos a ilustrá-la que melhora ou piora o seu valor. Ela vale porque é única e porque chegou a esse patamar sem ajudas. 
O seu valor estético tem de vir primeiro pela percepção sensorial. Eu observo, adoro e depois tento compreender que regras o artista seguiu para chegar àquela conclusão. Alguns pintores surrealistas escrevem mensagens nos quadros não para deixar claro o que fizeram, mas muitas vezes para equilibrar a composição. 
 Antoni Tàpies pintor catalão do séc . XX, vanguardista, termina de uma maneira geral a composição com a sua assinatura. Ela faz parte do todo, não é uma coisa que está ali a mais nem a usa sempre no mesmo lugar; ele coloca-a onde é necessária. Nesta obra, ele assina T XX ( Tàpies sec. XX) naquele ponto por a composição seguir uma espiral. Muitos artistas traçam mesmo linhas geométricas para organizarem  as suas obras.


Se vamos iniciar um trabalho, temos de pensar em três coisas importantes:
- o tamanho - se o que vou fazer é em grande ou pequeno formato;
- a forma - se pretendemos usar um quadrado, um rectângulo, ou um círculo; 
- ou ainda se queremos a tela na horizontal ou na vertical.

A regra dos três terços com os
quatro ponto de interesse
De seguida, temos de definir os pontos-chave da nossa composição. Ao desenhar ou até aplicar tintas na tela pelo processo já descrito noutro post atrás, temos de estar seguros do que queremos. 

Hoje vamos debruçar-nos exclusivamente sobre a distribuição dos elementos na pintura de cavalete.

Há uma regra muito conhecida pelos pintores que é a regra dos terços.

Autor João Vieira - óleo sobre tela
  optou por aproveitar os centros de interesse
 Este processo consiste em olhar para a tela e virtualmente dividi-la em 9 partes iguais, traçando duas linhas horizontais e duas linhas verticais à mesma distância umas das outras. Por este processo encontramos os quatro pontos chave para o equilíbrio.  
Mesmo depois de encontrados, não se podem usar tão linearmente porque eles não podem ter o mesmo valor estético, senão os elementos ficam de difícil leitura. 
Se valorizo o ponto superior direito ou, por outra, se coloco a primeira figura na parte superior direita, a segunda figura pode ficar ao mesmo nível se é isso que quero comunicar; mas deve ficar mais apagada ou mais pequena. Os outros dois também são pontos de interesse que devo usar para enriquecer a composição. 
Torna-se mais fácil colocar os elementos afastados do centro e colocá-los junto dos pontos de interesse. Todos devem ficar com diferentes valores estéticos e pictóricos, para dar alguma dinâmica ao assunto.  
Miró -  óleo sobre tela
Os olhos da fig. central estão na área
dos pontos de interesse
Se optar por usar o centro, que fica envolvido pelos pontos de interesse, o trabalho só resulta se ficar muito perfeito (ver tela de João Vieira). 

Se é uma paisagem, a decisão para escolher a linha do horizonte deve ser minha. Se quero mostrar o primeiro plano, eu coloco a linha do horizonte acima dos pontos de interesse. Se quero valorizar a profundidade, coloco a linha do horizonte abaixo dos pontos de interesse. 
Isto é válido na pintura ou na fotografia. Sei simplesmente que não a devo colocar ao centro. Portanto, com a linha do horizonte não devo dividir o quadro a meio.



Linha do horizonte acima dos pontos de interesse, valorizando o primeiro plano.


quinta-feira, novembro 3

AZULEJARIA PORTUGUESA

MURAIS EXECUTADOS EM AZULEJOS


Dada a importância do azulejo em Portugal, não podia deixar de lhe dar alguma atenção, mesmo que fale deles resumidamente.

Há outros povos como nós que ao longo dos séculos utilizaram esta técnica na arquitectura como Espanha, Itália, Turquia, Irão e Marrocos. 

Azulejos enxaquetados do Convento de Jesus em Setúbal
Em contacto mais próximo com alguns deles, como é o caso da cultura árabe e da indiana, nós absorvemos essas influências que ficaram patentes nos azulejos da arquitectura portuguesa. Daí surgem os azulejos de corda seca e de aresta, que os artistas mudéjares executavam no sul de Espanha (Sevilha, Córdova…). Fomos depois encomendando azulejos à Flandres e mais tarde contratámos artistas, os pintores ceramistas flamengos que se estabeleceram em Lisboa. 

Isto foi um largo passo para a produção portuguesa a partir da segunda metade do séc. XVI. Por ser um material relativamente barato, até em épocas mais pobres não abandonámos a decoração azulejar e fomos para os enxaquetados (linhas em xadrez), que marcaram uma época na arquitectura portuguesa, nomeadamente durante o domínio filipino. Mesmo com estes, parecendo que a obra se tornava barata, mais tarde verificou-se que a aplicação se tornava bastante cara, pois era moroso o acerto de linhas e de azulejos de diferentes tamanhos e formas, pois uns eram rectangulares e outros quadrados.
Painel de azulejos da Igreja da Arrentela, em que a
cena está emoldurada com anjos e florões e uma
 pilastra de cada lado.
A seguir, apareceram os azulejos padrão, de fácil colocação, mas mais morosos na aplicação das tintas.

Os revestimentos das Igrejas, principalmente os que decoram as sacristias e as naves da igreja reservadas aos fiéis, são livros abertos, que contam em painéis definidos a história bíblica, nomeadamente o Novo Testamento. O conjunto dos painéis formam o Mural, mas com determinadas características diferentes dos murais dos edifícios: os painéis são colocados mais à altura dos olhos dos fiéis e aplicados a partir do chão e por norma as cenas terminam em recorte. Cada cena é separada por pilastras e emoldurada com anjos e florões. Temos aqui, bem perto da Amora, a Igreja matriz da Arrentela sobre a qual tive o prazer de fazer um estudo e um pequeno vídeo. Prometo em qualquer ocasião propícia publicar. Agora aconselho a visitarem os belos silhares aplicados neste lugar de culto.

Estação de S. Bento, Porto (1916), com azulejos de Jorge Colaço




Mesmo no séc. XX, sobressaem as estações do caminho de ferro portugueses com os seus “painéis regionalistas”, com obras onde se destaca Jorge Colaço, pintor ceramista, que executou os murais das estações de Vila Franca de Xira, Marvão, Castelo de Vide, Lousã, Évora e a Estação de S. Bento, no Porto. A Carlos Mourinho pertence a autoria do Mural da Estação da Azambuja, a J. Oliveira, o mural da estação mais conhecida - a do Pinhão no Douro e Francisco Pereira e Licínio Pinto Pintores ceramistas, a autoria do Painel de azulejos da estação de Aveiro.
Vale a pena entrar nessas estações antigas e ver este legado, que retrata as tradições e costumes do povo português.
Variações da "figura de convite"(séc. XVIII)
que Eduardo Nery utilizou na decoração da
estação do Metro do Campo Grande (1983)


Os Portugueses ainda foram mais além e conseguiram introduzir a azulejaria na arte mais genuína dando-lhe o estatuto de arte privilegiada nos edifícios públicos e espaços urbanos. Hoje somos reconhecidos a nível internacional por, na arquitectura, termos  o azulejo como elemento identificativo. Os grandes pintores Portugueses, todos ou quase todos experimentaram esta técnica tão tipicamente portuguesa e tão especial.